PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO COOPERATIVO
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Rodrigo Gouveia

14 de Janeiro de 2021

Antevisão Cooperativista para 2021

2020 foi um ano sem precedentes. A pandemia mundial da Covid-19 afetou e continua a afetar todas as pessoas no mundo ao mesmo tempo, um cenário digno de uma obra distópica de ficção. Entramos em 2021 com o mesmo cenário, mas agora com um pouco mais de conhecimento sobre esta situação inusitada. Apesar disso, as incertezas continuam a ser muitas e 2021 trará desafios enormes para as cooperativas.

A notícia da existência de vacinas eficazes contra o novo corona vírus trouxe um tom de otimismo para a passagem do ano. No entanto, nos países em que tais vacinas já foram aprovadas para uso de emergência, a sua administração tem sido lenta e causado alguns problemas logísticos inesperados. Acresce a isso que a distribuição das doses existentes da vacina está sendo priorizada para grupos de maior risco, como deve ser, e que milhões de pessoas terão de aguardar ainda muito tempo até receber a vacina. Convém também lembrar que em muitos países a vacina ainda não está disponível. Por tudo isso, existe ainda muita incerteza sobre quando a vasta maioria da população estará vacinada e já é certo que isso vai variar de país para país. É de esperar, portanto, que a pandemia mundial continue até ao final do ano, mesmo se a situação for melhorando aos poucos em alguns lugares, deixando antever a continuação de restrições, com o consequente impacto negativo na atividade económica. Para aumentar a situação de incerteza, novas variantes do vírus estão surgindo e trazem preocupação aos cientistas sobre as suas consequências. As cooperativas devem, portanto, ter uma postura otimista, mas cuidadosa, e planear o ano considerando que a pandemia não vai acabar.

Em 2020 a economia mundial contraiu cerca de 3%, sendo que apenas a China, de entre as maiores economias, teve um crescimento positivo. Tratou-se, por isso, de uma verdadeira recessão mundial em que ¾ dos países apresentaram crescimentos negativos. A previsão de crescimento para 2021 é, no entanto, muito mais positiva, da ordem dos 5-6% com as economias emergentes a liderarem o caminho da recuperação. Mas é preciso ter algum cuidado ao olhar para estes números. Por um lado, porque se trata de projeções e, como tal, podem estar erradas. Estas previsões foram feitas com base na ideia de que a atividade económica rapidamente voltaria ao normal em 2021 devido à existência de vacinas, mas, como foi dito anteriormente, isto pode demorar muito mais tempo do que inicialmente se pensava. Por outro lado, estes números refletem um crescimento económico comparativo ao ano anterior. Ou seja, o crescimento real comparado à situação que existia antes da pandemia será muito menor. Se é certo que as cooperativas têm uma certa resiliência natural às crises económicas, em grande parte devido à sua atuação em mercados essenciais como o dos alimentos, também é certo que nem todas têm essa resiliência e, tal como outras empresas e organizações, elas necessitam de um entorno económico e social positivo para se poderem desenvolver. Assim sendo, as cooperativas devem preocupar-se com as consequências negativas da crise, particularmente na primeira metade do ano antes da esperada retoma económica e devem evitar operações e investimentos de maior risco enquanto não houver maior certeza sobre o panorama económico. Ainda assim, as cooperativas que desenvolvem atividades essenciais e que, como tal, não tiveram de suspender ou limitar excessivamente a sua atividade devido à pandemia (p. ex. cooperativas agropecuárias e cooperativas de consumo), podem continuar a beneficiar dessa situação de exceção para impactar positivamente a economia de acordo com os seus valores e princípios.

Esta crise mundial criou uma certa abertura na mente de políticos para encontrar soluções diferentes de resposta económica e social. Este é o momento ideal para demonstrar que as cooperativas são efetivamente diferentes das outras empresas e chegar junto dos decisores políticos para garantir o seu apoio ao desenvolvimento e fortalecimento do setor após a crise. Existe na opinião pública abertura para entender e aceitar conceitos e propostas alternativas ao sistema atual, disso é reflexo uma recente reportagem do New York Times sobre as cooperativas do grupo Mondragón em Espanha. Mas não se pode ser ingénuo, quando a crise terminar e o crescimento económico voltar, quer os políticos quer a opinião pública vão querer esquecer rapidamente o que aconteceu e voltar ao business as usual. Por isso, as cooperativas e as suas estruturas de representação têm uma pequena janela de oportunidade aberta em 2021 para garantir compromissos políticos que perdurem para além da crise. Iniciativas de pressão política que exijam medidas imediatas são essenciais.

É muito apropriado, como já escrevi noutra publicação, que o congresso mundial das cooperativas, adiado para o final de 2021, tenha como tema principal a identidade cooperativa. Em face da crise mundial de saúde, as cooperativas têm responsabilidades acrescidas perante diversos atores que fluem da sua natureza de organizações centradas nas pessoas e que respeitam valores e princípios éticos. A cooperativa tem uma responsabilidade imediata perante os seus membros, os seus proprietários comuns, de manter a atividade disponibilizando bens e serviços essenciais para satisfazer as suas necessidades. Mas, além dessa responsabilidade imediata, a cooperativa tem uma responsabilidade para com outros atores e a comunidade em geral. Desde logo, a cooperativa tem uma responsabilidade ética perante os seus trabalhadores em fazer o possível para manter os seus postos de trabalho, respeitando os seus direitos e privilégios; a cooperativa tem também um papel importante em ajudar de forma sustentável a comunidade onde está inserida, o que advém do sétimo princípio cooperativo, sobretudo numa situação de crise como a que se vive; para além disso, a cooperativa tem uma responsabilidade mais ampla perante a comunidade em geral, local, nacional e internacional em trabalhar para o seu desenvolvimento sustentável. Assim, é importante não perder de vista a identidade cooperativa, mesmo em altura de dificuldades – ainda mais em altura de dificuldades – para que o discurso cooperativista não seja vazio e possa ser comprovado por ações concretas e efetivas. O congresso mundial das cooperativas deve ser uma demonstração de que a identidade cooperativa não é apenas para ser falada, mas sim vivenciada no dia-a-dia de cada cooperativa. Isto é importante também em relação ao ponto anterior, de exigir das autoridades medidas concretas de promoção, desenvolvimento e fortalecimento do movimento cooperativo, pois se as cooperativas não conseguirem demonstrar que as suas ações são de facto úteis para a sociedade, então não terão a credibilidade necessária para exigir essas medidas.

O movimento cooperativo tem bem presente que o crescimento económico não deve ser a única, nem a mais importante, bitola para medir o bem-estar social. Em termos de desenvolvimento sustentável, que engloba as dimensões económica, social e ambiental, a pandemia de 2020 trouxe também enormes desafios. Desde logo, nota-se um aprofundamento grave das desigualdades a todos os níveis e, sobretudo, ao nível do acesso a cuidados de saúde essenciais. Neste tema, as cooperativas de saúde e, mais em geral, as cooperativas que atuam no setor da saúde, têm um papel muito importante para demonstrar que é possível um modelo empresarial que respeita a igualdade de oportunidades e ajuda a alcançar a cobertura de saúde universal. A recente decisão do governo indiano de promover este modelo cooperativo no país revela a abertura por parte dos poderes públicos em considerar seriamente esta solução. Muitos outros desafios notáveis se levantam, que vão pôr em causa o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aprovados pelos estados membros da ONU, mas queria aqui referir, em particular, a crise climática.

De acordo com uma reportagem recente da BBC, o ano de 2020 foi o mais quente de sempre, desde que existe registo de temperaturas. O número de catástrofes naturais, incêndios florestais incontroláveis, furacões intensos e regulares, degelo polar, entre outros, afetou milhões de pessoas em todo o mundo e é um terrível presságio do que está para vir. Isto tudo aconteceu apesar da desaceleração da atividade económica causada pela pandemia, o que mostra que será necessário um grande esforço coletivo para reverter significativamente os prejuízos ambientais que a humanidade vem acumulando. As cooperativas têm o dever e a responsabilidade de estar na linha da frente nesta batalha pela sobrevivência do planeta, não apenas no que diz respeito às suas atividades económicas, reduzindo o seu impacto ambiental até à neutralidade carbónica, mas também no alerta e mobilização de membros, comunidades e público em geral.

Por tudo isto, 2021 será um ano cheio de desafios para o cooperativismo. É apenas com base nos seus valores e princípios que as cooperativas poderão enfrentar esses desafios e permanecer na vanguarda, apresentando-se como solução de futuro, para um desenvolvimento sustentável.

NOTA: As opiniões expressas nestes artigos são exclusivamente do seu autor e não refletem, necessariamente, a opinião da PromoCoop ou dos seus parceiros.

Palavras-chave

Advocacia , Saúde

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